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22 de junho de 2007

Sobre a Incompetência Pastoral

Pastores são, pelas peculiaridades da função, incompetentes. Há 17 anos tenho atuado na liderança de comunidades cristãs, 7 anos como evangelista e plantador da Igreja Presbiteriana de Valparaíso e 10 anos como ministro da Palavra da Igreja Presbiteriana Central do Gama. A cada dia que passa, percebo que o pastoreio de igrejas é uma tarefa singular.

Primeiro existe a questão da vocação, do chamado específico. Nenhum pastor autêntico escolhe o pastorado. O ministro da Palavra não é um voluntário precipitado, mas um comissionado, alguém que recebe uma ordem superior, que lhe domina o coração, que dirige as circunstâncias externas e que o orienta de forma absoluta ao serviço cristão em tempo integral. Deus não aprova profetas autodesignados (Jr 23.21). Nesse sentido, um pastor é diferente de um engenheiro ou de um médico. Estes escolhem suas profissões — alguns desde a infância ou adolescência — enquanto o pastor é escolhido, chamado e direcionado. A vocação encontra, inicialmente, renitência, até o ponto em que estabelece o alinhamento da vontade do homem com a vontade divina. Essa é a primeira singularidade.

Segundo, quais são as atribuições de um pastor? O Novo Testamento dirá que é orar, ocupar-se com a Escritura e capacitar os crentes para que estes sirvam ao Senhor e cresçam em maturidade e vivência mútua (At 6.4; Ef 4.11-16). O termo poimenas, “pastores” implica em supervisão do rebanho — o cuidado contínuo, zeloso, preocupado com a saúde e bem-estar das ovelhas.
Assim sendo, parece que o Novo Testamento focaliza muito bem as atribuições pastorais. No entanto, deve ser observado que essa demanda não pode ser atendida por um só homem. Por isso, a Escritura estabelece não apenas um líder, mas também uma equipe e, por fim, uma comunidade de pastoreio. O pastor não pastoreia sozinho, mas lidera um corpo regulado e suprido pelo Espírito Santo. De modo abrangente, todos os crentes são responsabilizados pelo cuidado uns dos outros (Mt 18.15ss.; Gl 6.1-2; Ef 4.1-6; Cl 3.16; Hb 10.24-25) e, mais especificamente, uma equipe de presbíteros — liderada pelo pastor — é responsabilizada pelo governo e cuidado da congregação (At 20.28-31).

Deus orienta que as igrejas funcionem desse modo, porque é impossível, para um homem só, cuidar de todos os crentes, atender a todas as necessidades e interagir com todos os problemas de uma comunidade. Moisés tentou fazer isso, terminou esgotado e com uma congregação descontente. A solução foi dividir a tarefa com outros (Êx 18.13-26).
Além disso, pastores não são solucionadores de problemas. Pastores não são como profissionais que têm respostas e soluções para todas as questões relativas às suas áreas de atuação (na verdade, não existe profissional que conheça toda as respostas). Pastores não são gurus todo-poderosos, que resolvem tudo para todos, mas guias espirituais de oração e meditação nas Escrituras, amigos e companheiros que lideram pelo exemplo e que interagem com os crentes na caminhada de aperfeiçoamento cristão (confesso que demorei para aprender esse fato simples: eu não sou Deus — At 15.8-18). Um pastor é alguém que se coloca ao lado para tentar discernir o que Deus está fazendo. Mas quem faz tudo é Deus, de quem tanto o pastor quanto os outros membros da igreja são filhos. Um pastor, ao mesmo tempo em que é líder, é irmão entre irmãos e servo entre servos.

Biblicamente, as coisas são claras, mas, na rotina diária da igreja local, tudo fica mais turvo. É difícil conciliar as exigências múltiplas de estudo, oração, atendimentos, visitações, administração e liderança estratégica. Como os campos de atuação são muito amplos, o pastoreio se torna uma das poucas atividades humanas em que você retorna pra casa, a cada noite, com a certeza de que foi incompetente, de que não conseguiu fazer tudo o que deveria. Você não manteve devoção suficiente, não orou pelas pessoas com profundidade e fervor suficientes, não atendeu nem visitou suficientemente, não administrou nem liderou eficazmente. Sempre há um senão, sempre uma pendência, sempre uma demanda não atendida. E as poucas coisas que você conseguiu fazer, fez mal. Converso com outros colegas que compartilham do mesmo sentimento. Converso com crentes de outras igrejas e ouço, normalmente, críticas ao trabalho pastoral, confirmando que essa é uma experiência talvez generalizada.
— Meu pastor só pensa em evangelismo e não alimenta a igreja com doutrina. Nossa igreja precisa de um pastor mais teológico.
— Meu pastor só pensa em teologia e não sai do gabinete de estudos. Nossa igreja precisa de um pastor mais evangelista.
— Meu pastor só pensa em campanhas evangelísticas e estudos bíblicos mas não visita. Nossa igreja precisa de um pastor visitador.
— Meu pastor passa dia e noite na casa dos membros da igreja; ele só sabe visitar. Nunca o encontramos no gabinete e as pregações são muito fracas. Precisamos de um pastor que aconselhe e alimente a igreja com pregações mais densas.
— Meu pastor descuida da administração. Nossa igreja precisa de um pastor mais organizado.
— Meu pastor é organizado mas não sabe liderar. Nossa igreja precisa saber para onde vai; carecemos de um líder estratégico.
— Meu pastor é muito simples. Nossa igreja precisa de um líder mais sofisticado.
— Meu pastor é muito sofisticado. Nossa igreja precisa de um líder mais simples.
— Meu pastor só pensa nos jovens. Nossa igreja precisa de um pastor que cuide dos casais que estão passando por crises.
— Meu pastor só cuida dos idosos. Nossa igreja precisa de um pastor que fale a linguagem dos jovens.
E a lista de reclamações é virtualmente infinita. O pior é que, para tentar resolver a questão, algumas igrejas mudam de pastor a cada dois ou três anos, na busca do “pastor ideal”. Ao fazer isso, tais comunidades são confirmadas no infantilismo e fraqueza espiritual.

Creio na providência divina. Tenho convicção de que tudo o que acontece, a cada dia, encaixa-se no plano perfeito de Deus. Por isso entendo que o Senhor está indicando que as brechas de atendimento pastoral sempre existirão. Nenhum pastor conseguirá atender a todas as necessidades de uma igreja, em tempo algum. Por que? Simples. Cristãos não são supridos por pastores, mas pelo Supremo Pastor (Sl 23.1; Jo 10.1-18). O Senhor Jesus Cristo é o Pastor Todo-Poderoso, eu sou reles pulga incompetente, nada mais do que isso. O Senhor Jesus Cristo é quem edifica a Igreja (Mt 16.18), enquanto eu sou mero servo muito cheio de falhas.

Terceiro, qual o parâmetro para avaliação do trabalho de um pastor? Isso decorre diretamente do segundo ponto. Um pastor deve ser avaliado por sua excelência em tudo ou por sua atuação fiel aos termos gerais do pastorado e ao seu perfil específico de dons espirituais? O pastor que se avalia buscando ser tudo para todos é engolido pela frustração e desespero. A igreja que deseja um pastor que seja tudo para todos sucumbe diante do mito do “pastor perfeito” e não consegue estabelecer relações vitalícias com nenhum obreiro. A avaliação baseada nesse parâmetro é cruel tanto para o pastor quanto para a igreja local.

Pastores devem ser avaliados por sua fidelidade a Deus e ao evangelho (1Co 4.1-2). Líderes cristãos devem ser avaliados mais por seu caráter do que por sua eficiência (1Tm 3.1-13). Isso é assim porque uma igreja local não é uma empresa, mas o corpo de Cristo sustentado por graça, não por méritos (Lm 3.22-23). Pastores lidam com o rebanho graciosamente; o rebanho lida com o pastor da mesma forma. Ambos convivem em paz e amor, em favor imerecido.

Pastores devem ser avaliados por sua responsabilidade e eficiência no uso de seus dons espirituais e perfis de ministério. Um pastor que possua o dom de ensino, deve ser avaliado por seu empenho em estudar e transmitir a Palavra com clareza e fidelidade. Um pastor com um perfil de visitação deve ser avaliado por sua presteza em prestar ajuda aos membros e acompanhá-los nas diversas fases de suas vidas. Igrejas precisam aprender a enxergar as virtudes de seus pastores e buscar meios para cobrir suas deficiências, o que normalmente ocorre com o estabelecimento de uma equipe de serviço formada pelos presbíteros regentes e outros presbíteros docentes possuidores de perfis e dons complementares.

Pastores sofrem com críticas que, no fundo, confirmam exigências para que eles sejam o que não são. Lembro-me de um irmão que pastoreou uma igreja onde passei os primeiros anos de minha mocidade. Aquela era uma comunidade de classe média, formada por funcionários públicos e estudantes. O pastor era de origem rural, um homem simples, profundamente dedicado a Deus e à igreja e claramente dotado de capacidades evangelísticas incomuns. Ele vestia ternos listrados e gravatas grossas, fora de moda e mancava de uma perna. Os membros da igreja começaram a fazer críticas: “o homem não era sofisticado o bastante para a igreja, o homem só preocupava-se com evangelização”, e assim por diante. Eu estava lá, eu vi o quanto aquele irmão sofreu e acompanhei sua saída humilhante daquela igreja. Quanto sofrimento para ele e sua família! O detalhe é que, desde aquele momento, aquela igreja nunca mais experimentou crescimento, e isso foi há mais de 20 anos.

Quarto e último, de onde vem a motivação para o trabalho do pastor? Esse é o ponto, pois, se o pastoreio envolve o sentimento constante de incompetência e a possibilidade de críticas e desvalorização por parte das igrejas locais, qual é a fonte de motivação do pastor?

Antes de assumir o pastoreio de uma igreja por tempo integral, trabalhei para a iniciativa privada durante 16 anos. No ambiente empresarial, o funcionário é motivado com homenagens, promoções, aumentos de salário e premiações.
O serviço eclesiástico, porém, é uma esfera completamente distinta, que exige que o líder espiritual seja motivado unicamente por Deus. O profeta Jeremias encontrou alento enchendo sua memória de “tópicos de esperança” e reconhecendo Deus como sua “porção”. Isso o fortaleceu para suportar o “jugo na sua mocidade” (Lm 3.21, 24-27). Eis um bom modelo para o pastor. O serviço pastoral é privado de todo reconhecimento ao mesmo tempo em que recebe tudo; ele encaminha-se no sofrimento ao mesmo tempo em que é suprido por imensa e misteriosa alegria (2Co 6.4-10).
Certamente o pastor alegra-se e recebe motivação ao ver os frutos da obra de Deus na igreja (Fp 1.3-6; 1Ts 1.2-10). Além disso, o pastor recebe motivação quando a igreja colabora com sua liderança (Hb 13.17). Esse, porém, não é o padrão, nem bíblico, nem histórico. Moisés, Josué, os profetas, Jesus Cristo e o apóstolo Paulo tiveram de lidar com incompreensões, dissensões e oposições provindas de seus liderados. Os pastores do passado também (Jonathan Edwards, repudiado por sua congregação depois de mais de duas décadas de serviço fiel e dedicado, é um exemplo clássico).
Daí a necessidade de absorção das recomendações e promessas de 1Pe 5.1-4:
Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória.

Nele está nossa competência, nossa motivação, nossa salvação e nosso prêmio. Apegar-se ao Senhor e às suas promessas, eis o segredo para a continuidade do ministério pastoral feliz, com coração pacificado e transbordante de motivação.

Rev. Misael/Igreja Presbiteriana Central do Gama
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