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8 de setembro de 2008

"Deus é um personagem como o Buzz Lightyear"

O filósofo argentino Alejandro Rozitchner defende uma educação ateísta a seus três filhos e diz já saber o que falar quando um deles lhe perguntar sobre Deus. "Vou dizer que é um personagem como o Buzz Lightyear ou o Woody do Toy Story." Ele e a mulher, a psicoterapeuta Ximena Ianantuoni, escreveram o livro Filhos sem Deus, recém-lançado no Brasil.

Por Juliano Machado - Revista Época



O casal, com os filhos Andrés, Félix e Bruno (esq. para a dir.). O pai, Alejandro, se refere a eles como "os três ateuzinhos". Andrés é uma criança de apenas cinco anos, mas seu pai, o argentino Alejandro Rozitchner, de 47, já sabe o que dizer ao filho quando ele lhe perguntar pela primeira vez sobre a existência de Deus. “Vou explicar que Deus é só uma idéia criada pelos homens como uma necessidade de explicar o mundo. E que, por isso, não deixa de ser um personagem, tal como o Buzz Lightyear ou o Woody do Toy Story (desenho animado dos estúdios Disney-Pixar).”

Rozitchner e sua mulher, Ximena Ianantuoni, de 37, não querem traumatizar o filho mais velho (eles têm outros dois: Bruno, de 2 anos, e Félix, de 5 meses). Até porque ele é filósofo e ela, psicoterapeuta especializada em crianças. Os dois são ateus e defendem a liberdade de criar seus filhos sem a influência de qualquer religião, apesar de ele vir de uma família judia e ela, de uma católica. Por isso, desde o começo o casal quer mostrar a eles uma visão atéia do mundo. "As pessoas sempre educam os filhos de acordo com suas crenças. Nós vamos educá-los por nossas convicções. E achamos que a fé não é algo saudável para eles", afirma Rozitchner, que se refere aos filhos como "os três ateuzinhos".

O casal, que vive em Buenos Aires, não teve medo de expor suas idéias e publicou no ano passado o livro Filhos sem Deus – Ensinando à Criança um Estilo Ateu de Viver. A obra chega agora às livrarias brasileiras em uma edição da Martins Fontes – o lançamento foi na Bienal do Livro, encerrada no dia 24. Além disso, os dois mantêm blogs na internet, onde divulgam suas idéias – 100Volando, de Alejandro, e Vamosviendo, de Ximena.

Em entrevista a ÉPOCA, os dois dizem por que são favoráveis a uma educação ateísta, mesmo respeitando os que optam pelo ensino religioso, e supõem que haja mais ateus na sociedade do que se imagina.

ÉPOCA – Vocês já pensaram o que vão dizer a seus filhos quando eles perguntarem pela primeira vez sobre Deus?
Rozitchner - Vou explicar que Deus é só uma idéia criada pelos homens como uma necessidade de explicar o mundo. E que, por isso, não deixa de ser um personagem, tal como o Buzz Lightyear ou o Woody do Toy Story. Por mais que eu respeite quem dá aos filhos uma educação religiosa, nada me faz demover da idéia de que a fé é algo daninho, pouco saudável. Enfim, vou falar a minha verdade. Que Deus é uma idéia um tanto primitiva, uma figura cuja existência faz com que as pessoas nunca sejam totalmente donas de si e responsáveis por seus atos.

ÉPOCA – Essa posição não impede que seus filhos tenham liberdade para se interessar por alguma religião?
Rozitchner – É claro que vamos conduzir nossos filhos para uma forma ateísta de ver a vida, mas as pessoas sempre educam os filhos de acordo com suas crenças. Nós vamos fazer o mesmo: educá-los por nossas convicções. Não me parece que na escola isso vai ser algo problemático para eles. O tema tem de ser conduzido com naturalidade. Só assim eles podem se acostumar com os pais que têm.

ÉPOCA – Em que tipo de escola estuda seu filho mais velho? Foi escolhida a dedo?
Ximena – Sim. É um jardim de infância privado e laico, que aceita alunos cujos pais seguem qualquer credo – e os que não seguem nenhum. Nessa escola a religião simplesmente não é um tema discutido dentro da sala de aula. Mas essas instituições ainda são poucas em Buenos Aires, e caras. É um fenômeno recente. Muitos colégios, principalmente os públicos, oferecem o catecismo como um currículo extra. Vivemos numa sociedade muito necessitada de algo que ordene a educação, e a religião cumpre esse papel.

Rozitchner - Eu não matricularia meus filhos em uma escola religiosa. Em Buenos Aires a educação pública vê a religião como um componente importante.

ÉPOCA – Para quem é destinado o livro?
Rozitchner – Muitas pessoas me agradeceram porque enxergaram no livro uma chance de encontrar argumentos para esclarecer sua posição e dar uma formação a suas crianças sem o vínculo da religião. Eles identificaram algo que já tinham em mente, mas não conseguiam expressar. Acredito que exista muita gente que é atéia e não tem consciência disso. Diz que acredita em Deus por costume, mas, se você confronta essas pessoas sobre a questão, elas acabam admitindo que Deus não é algo que lhes importe no dia-a-dia.

ÉPOCA - Houve críticas ao livro por parte de grupos religiosos na Argentina? O que vocês esperam da reação aqui no Brasil?
Rozitchner - O livro não causou nenhum escândalo na Argentina, mesmo para a Igreja. Ninguém se indignou. Acredito que isso é decorrência de uma sociedade mais ampla. Há extremistas, mas eles não são a maioria. O mais comum é uma fé tolerante. Não conheço a fundo o Brasil, mas imagino que a reação não vá ser muito diferente. No livro, não pretendemos converter ninguém ao ateísmo. Respeitamos muito quem tem uma religião. Só queremos ter o direito a dar uma educação ateísta.

ÉPOCA – No Brasil, uma lei estabelece a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas. Qual a sua opinião sobre esse tipo de norma?
Ximena – Acredito que seja algo negativo, porque não dá a possibilidade às crianças de perguntarem coisas como a origem do Universo e o que ocorre depois da morte. São questões para as quais, num ensino guiado pela religião, as respostas são inflexíveis. Isso intimida o aluno.

ÉPOCA – A senhora se “converteu” ao ateísmo. Como foi isso?
Ximena – Quando eu tinha 16 anos, por aí, comecei a ganhar responsabilidades na vida, passar por algumas experiências que me fizeram duvidar de Deus. E fui me dando conta de que não havia uma figura divina. O sentido da vida mudou totalmente para mim. Percebi que a chave do cotidiano era viver o presente sem fugir de suas obrigações, sem delegar a um ser superior. Conheci o Alejandro só com 25 anos e logo me identifiquei com a sua perspectiva de vida. Ele não me "converteu", mas nosso relacionamento deixou mais claro para mim o que era uma visão ateísta do mundo.

Fonte: Revista Época
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