L.J. Lebret
O tema da cruz já está bastante gasto porque muitos cristãos dele abusaram. Vivem gemendo
sob suas pequenas cruzes, as mil dificuldades comuns da vida, que tantos não-cristãos enfrentam
corajosamente. Tornam-se maçantes de tanto esquadrinhar seus insignificantes aborrecimentos.
De fato, não souberam sair de si mesmos para encontrar verdadeiramente o Cristo e fundir-se
nele. Não compreenderam que a cruz não é um fardo a ser arrastado, mas vida a ser alegremente
aceita, embora nos esmague.
A vida com o Crucificado, no Crucificado, é o dom de si à vontade dele, é o companheirismo
que se torna cada dia mais íntimo no campo do esforço e da dor, a cooperação constante com
quem tudo começou em si mesmo e quer associar-nos plenamente à sua obra.
Enquanto a cruz não tiver penetrado em nós, como arcabouço que tudo sustenta, não teremos
compreendido o Cristo. Daí as impaciências, as cóleras, as queixas e as asperezas. Cristãos
inscritos nos registros da Cristandade, não somos ainda cristãos plenamente inseridos no Cristo,
porque, desejando a sua luz e a sua paz, nos repugna segui-lo no sofrimento que suportou por
nós. Desejaríamos ser configurados em sua glória, sem o ser, entretanto, em sua dor; assemelharnos
a ele, sem que os flagelos sociais nos inquietem, as guerras em que não estamos
empenhados nos emocionem, as torturas e as deportações sofridas pelos outros nos aflijam, o
destino da multidão dos seres humanos desdenhados nos interesse, os erros da direita ou da
esquerda nos perturbem, o egoísmos das classes e dos países privilegiados nos revolte e a
aventura dos povos infantis nos faça sofrer. Fariseus satisfeitos com a própria virtude,
consideramo-nos heróicos, mal suportando os nossos pequenos males sem que o pesado fardo de
todo o sofrimento humano nos atinja sequer.