Um terremoto na Índia derrubou o edifício de uma missão e deixou de pé, na vizinhança, um prostíbulo. Em Berma, um terremoto tremendo abateu tudo na localidade, mas deixou intacta a casa de um cristão — e considerou-se isto um ato da Providência. Mas, que se poderá dizer quanto aos casos que não se dão dessa maneira? Responder a esse problema com os cristãos providencialmente poupados, deixa-nos num caminho que conduz à morte, pois não é operante na vida.
Considerem-se as
consequências, se acontecesse de outra maneira. Se fosse possível provar-se
que, ao sobrevirem a dor e o sofrimento o cristão seria infalivelmente poupado,
o resultado seria a degradação do Cristianismo. As multidões afluiriam às
igrejas e aceitariam o Cristianismo e sua proteção como se obtivessem, assim,
uma apólice de seguro contra fogo. Isto seria também degradar o cristão, pois
ele não teria a disciplina que provém de viver em um universo regido por leis
imparciais. Não precisaria lutar com as forças impessoais e imparciais da
natureza, com as quais se formam a acuidade mental e a força do caráter e por
meio das quais ele é aparelhado mental, espiritual e fisicamente, para
sobreviver. Esta isenção seria sua ruína. Além disso, sua religião havia de
degenerar em magia. Ele a usaria como um talismã, tornar-se-ia tão perniciosa
como um costume nas Filipinas de levarem os estudantes, nas vésperas dos
exames, as suas penas para os sacerdotes as abençoarem, sendo-lhes, assim,
assegurado o sucesso na prova a que se submeterão. Isto enfraqueceria sua fibra
moral e mental.
Uma senhora me pediu com
toda seriedade que eu orasse para ser premiado o seu bilhete nas corridas do
Derby; se eu orasse, acrescentou ela, e o bilhete fosse premiado,
"dividiria metade da importância com a igreja". Repliquei que oraria
para ela ter um novo conceito da religião em geral e do Cristianismo em
particular.
O Cristianismo não é
magia, mas revelação moral, cujo objetivo é a formação do caráter e não salvar
os fiéis, em situações especiais, do poder das leis dos fenômenos físicos. Um
diretor que matriculasse o filho na sua própria escola e o dispensasse dos
trabalhos escolares e das penalidades, faria um mal verdadeiro grave a ele
mesmo, ao filho e à escola.
Trechos extraídos do livro Cristo e o Sofrimento Humano