Conta-se que certo homem,
a quem chamaremos de Jaime, costumava embaraçar os outros com a pergunta:
— Se Deus é bom e nos ama
e quer que sejamos felizes, por que criou o diabo a fim de tentar-nos e induzir-nos
a pecar?
Seu amigo Roberto
replicou:
— Deus criou o diabo?
— É lógico que sim — respondeu Jaime — Deus criou todas
as coisas. O diabo não criou a si mesmo nem existiu desde toda a eternidade,
pois neste caso haveria dois deuses rivais. Se há um Deus todo-poderoso, Ele
deve ter criado o diabo.
Roberto pegou uma maçã
completamente deteriorada e perguntou:
— Deus criou maçãs
deterioradas?
— Não — disse Jaime — Ele
faz com que as maçãs amadureçam, e devemos comê-las enquanto ainda estão bem
conservadas. Se esperarmos até que apodreçam, a culpa é nossa.
Roberto perguntou ainda
mais:
— Deus fez o uísque ou
outras bebidas alcoólicas?
— Não. Ele criou os
cereais, e os homens os transformam em bebidas alcoólicas.
— Está certo dizer, então,
que o uísque e outras bebidas são obra das mãos de Deus?
— Não. Deus sabia, porém,
que os cereais poderiam ser transformados em bebidas alcoólicas. Por que
introduziu neles certos elementos que podem tornar-se prejudiciais? — indagou
Jaime.
Disse Roberto:
— Mudemos de assunto, para
ver se conseguimos responder a sua pergunta. Viu os destroços daquela
locomotiva a vapor que explodiu o outro dia?
— Sim.
— Leu o nome dos
fabricantes da locomotiva nos pedaços de ferro que sobraram?
— Sim.
— Ao ler esse nome, pensou acaso o seguinte: "Sei
quem causou esta ruína: foi a companhia que construiu a locomotiva. Eles fizeram
a máquina e são responsáveis por todas as consequências?"
Jaime retrucou:
— É lógico que não. Essa
companhia fabrica locomotivas de primeira ordem. Milhares prestam bons serviços
nas estradas de ferro do mundo todo. São absolutamente seguras quando usadas de
maneira adequada. Mas os fabricantes não podem garantir as máquinas que não
forem bem cuidadas. Ouvi dizer que o maquinista, neste caso, deixou que a água
descesse a um nível muito baixo na caldeira. Portanto, a culpa é dele, e não da
companhia.
— Concordo plenamente com
o senhor e desejo que compreenda que a relação de Deus com Satanás é um tanto
semelhante à dos fabricantes de locomotivas para com a máquina que explodiu. A
única diferença é que no caso do diabo, ele foi ao mesmo tempo locomotiva e
maquinista. Ele soltou o vapor do orgulho até ser lançado fora da linha.
Arroja-se agora de um lado para outro, como anjo caído e mau, embora ainda seja
chamado de "Príncipe da Potestade do Ar".