Sinto que estou chegando ao fim nessa minha caminhada pela Terra. E é em clima nostálgico que escrevo algumas memórias, sentado no trono de meu apartamento com a boca escancarada (ainda) cheia de dentes...
É com lágrimas nos olhos que me recordo do tempo em que passávamos o dia todo na praia, sem camisa, despreocupados, porque não temíamos o sol. A destruição da camada de ozônio estava só começando e o câncer de pele não era tão comum assim... Naquele tempo a gente ainda achava algumas praias limpas também.
Por falar em água, é triste pensar em como a água potável está cara hoje, sendo que em minha mocidade lavávamos carros e quintais, além de brincar com ela. Hoje os "mais novos" ficam horrorizados quando vêem essas cenas.
Tenho até vergonha de dizer que fui da época do telefone sem imagem. Conversávamos com as pessoas sem ver-lhes o rosto. Época de trotes e outras mentiras que as pessoas diziam antes da invenção do vídeofone.
É curioso pensar hoje, que para comprar alguma coisa precisávamos sair de casa e "ir na loja". De um tempo onde os aquecedores e refrigeradores eram "mudos", de uma fase onde as pessoas gastavam sola de calçado atrás de produtos. Hoje, somente os saudosistas fazem isso.
Sou de um tempo em que aparelhos de televisão eram quadradões por causa dos tubos atrás. Lembro-me que éramos obrigados a assistir a programação definida pelas emissoras... E as TVs eram colocadas em bases firmes pois eram pesadas (não se colocava na parede assim como hoje. Na parede só colocávamos quadros, pinturas, fotos).
Os computadores precisavam de teclado e mouse.. alguém lembra disso? Já virou peça de museu...
Lembro também que poucas pessoas tinham acesso a internet. Falando nisso, alguém aí lembra do "e-mail"??? Que saudade... eu mesmo adorava ficar trocando correspondência eletrônica. Mas tudo isso acabou por causa daqueles malditos spammers. Quando as pessoas passaram a receber uma média de 800 e-mails indesejados a cada 1 email particular ao dia, todos os servidores cancelaram o serviço.
Sou também da época em que nossos eletrodomésticos precisavam de fios. Lembro-me que lá em casa na cozinha, na sala atrás da estante e no quarto atrás da escrivaninha tinha um emaranhado de fios e cabos, um para cada ítem. Fora os controles remotos, montes deles. E eu te pergunto: Como vivíamos sem os comandos de voz?
Possuía eu dezenas de fitas k7, fitas de vídeo e disquetes (já está sentindo o cheiro de sebo?) e aquelas câmeras fotográficas onde você tinha que comprar e colocar o filme (que depois era revelado). Tinha eu inclusive vídeo-game com joystick e aqueles primeiros CDs, onde só cabiam 80 minutos de música ou 700Mb de informações.... Meu velho Pentium IV traz-me saudades. Na ocasião bastavam 80Gb para um micro caseiro.
É interessante quando penso que os primeiros aparelhos de DVD produzidos não gravavam nada, e os primeiros celulares lançados só serviam pra gente conversar com os outros. Hilário...
Sou do tempo em que ainda se produziam livros e cadernos em papel. Sou de um tempo em que carregávamos carteiras gordas, cheias de documentos e cartões de crédito, além de dinheiro em papel também...dá pra imaginar? Do tempo do "talão de cheques", do tempo onde a burocracia dominava (pois o papel não era tão caro assim), de um tempo onde tínhamos que "assinar coisas", ah... quão velho estou!
Sou de um tempo em que o Brasil era de maioria cristã (hoje ninguém mais dá crédito à Bíblia), de um tempo onde as pessoas viviam em casas com mais de 50m2, podiam sair com seus carros quando quisessem e de quando o combustível principal era a gasolina. Você pode não acreditar mas em minha época ainda existiam baleias e ursos panda! E os reis Roberto Carlos, Pelé e o inesquecível Silvio Santos ainda não tinham passado dessa pra melhor...
Não posso esconder a saudade daqueles dias, embora primitivos, pois se por um lado a tecnologia era obsoleta, o mundo não era tão violento assim, afinal, as crianças ainda brincavam na rua de dia, a Polícia bem ou mal funcionava, e mundo afora, não aconteciam tantos atentados terroristas assim como hoje.
Eu e alguns amigos meus contemporâneos, ainda vivos, até hoje não engolimos essa história de que homem pode casar com homem e mulher com mulher. Sentimo-nos desconfortáveis a cada gracejo deles na frente de nossos netos. Não concordamos até hoje com a venda indiscriminada de drogas (antes ilícitas), em nossas farmácias (em nossa época somente o álcool e o cigarro eram permitidos).
Conseguiram reduzir aquela criminalidade associada ao tráfico do início do século, mas em compensação vemos muito mais pessoas dependentes de drogas atualmente.
Hoje vejo nossos jovens morrendo cada vez mais cedo. Quando essa onda de libertinagem começou no início do século, não imaginávamos que chegaria aonde chegou. Foi-se o tempo onde havia alguma "mágica", algum romance, algum "relacionamento duradouro". Hoje a moda é "provar". As moças andam praticamente nuas pelas ruas e são totalmente liberais. Ninguém mais se casa hoje em dia, e quem é "fiel" ou namora a mesma pessoa por mais de três meses é considerado um otário. Viramos mercadorias, saciamos o apetite e consumo uns dos outros. Tudo é rápido demais, passageiro demais, fútil e descartável...
Hoje os bebês tem o sexo e as características genéticas que os pais escolheram (antigamente não era assim não viu?), e além da proliferação de robôs-operários a robôs-cirurgiões, desconfiamos que existam clones entre nós... será?
É meu aniversário de 74 anos, sinto-me cansado desse mundo, exausto disso tudo e além de quadrado, antiquado e ultrapassado, como diz aquela música do meu passado:
"...as folhas caem mortas como eu, e quando olho no espelho, vejo que estou ficando velho e acabado.."
*Embora o Aquecimento Global esteja nos afetando por demais, ainda assim desejo a todos um bom dia.
Ricardo Miranda
30/11/2046
